quarta-feira, 12 de junho de 2013

à primeira vista

Sim, sempre acreditei em amor à primeira vista. Não comigo, porque com exatos 15 anos ( ou eram 16) eu ainda era uma menina, eu me sentia assim. E amor era coisa de novela, de filme de sessão da tarde, de conversinha entre amigas adolescentes, entre as quais talvez, eu até me incluísse, mas só às vezes.
De modo que, um belo dia, ou melhor, uma bela tarde, em idos do ano de mil novecentos e noventa e cinco de nosso senhor Jesus Cristo, estou eu a escolher meu melhor vestido para ir à escola, e nem sei o motivo, já que éramos cuidadosamente orientadas a deixar as melhores roupas pra ocasiões especiais, e ir à escola com certeza não podia ser mais comum para mim, naquele momento.
 
O fato é que, talvez porque aquele dia ensolarado estivesse me inspirando, ou sei lá, me preparando para algo muito especial; eu decidi lavar meu cabelo, porque eu tinha acabado de cortar à altura dos ombros e achava legal quando estava molhado, limpinho, penteado, me sentia linda ( vai saber o porquê!) Escolhi o tal vestido, azul com florezinhas miúdas,  mangas "balonê" pequenas, e meio rodado mas justo da cintura pra cima e era fechado de cima a baixo, na frente, por botões, também micro.  Enfim, eu estava radiante.
 
Como eu morava no interior, havia um transporte escolar público, mas que por algum motivo aquele dia não nos levaria; então eu pegaria uma carona de moto, e não só eu. Fomos eu, minha amiga e o pai dela, que era o piloto. Não imagino porque não escolhi um traje mais adequado pra uma viagem e um transporte que exigiriam bastante desenvoltura para embarque e desembarque.
 
Mas lá fomos nós, cabelos devidamente molhados ao vento, mãozinhas sobre o vestido ( o vento não perdoa) mas tentando manter a classe, afinal seriam uns dez minutinhos até chegar.
 
Enfim chegamos, dei mil graças a Deus de estarmos atrasados e a frente da escola não ter mais nenhum aluno, movimento ou gente circulando e pude descer da moto, um tanto desajeitada com meu vestido, mas tranquila. Já desci arrumando os cabelos que o vento desgrenhou e secou a despeito de minhas tentativas desesperadas de mantê-los intactos e morta de arrependida por não ter pensado em prendê-los antes de sair. 
 
Segui à frente da minha amiga, depois de agradecer a carona e subia as escadas na entrada da escola, já preocupada com início da aula, foi então que..
 
Já nos primeiros degraus, levanto a vista e miro direto nos olhos de um menino que, com certeza já estava me observando, antes de eu percebê-lo. Eu senti que o menino mais lindo do mundo já estava me olhando (toda mulher sabe quando reparam nela, eu soube esse dia, como era) , e pior, todo o sangue do meu corpo subiu às minhas faces imediatamente, eu já não estava corada, mas queimando.
 
Não foi só uma vergonha do cabelo desgrenhado, de pensar que me viu descer da moto de vestido e sem jeito, de estar sendo observada; mas de saber que aquele olhar não era um mero olhar, era intencional, e me dizia da surpresa e do quanto era bom me ver. E foi recíproco.
A gente se olhou, a gente sentiu que gostou um do outro, muito; e que o outro sabia o que um sentiu e vice-versa.
Aí eu senti algo estranho por dentro, que eu nunca havia sentido antes, e aquela fração de segundos pareceu uma meia hora, a gente ali na frente um do outro, mas eu sei que só nos cruzamos, e segui desesperada até a sala; sem entender nada.
Acho que foi amor, meu primeiro amor.
 
Foi um amor que nunca se concretizou, mas que me deu o melhor ano da minha vida, nesse sentido. Ele não sossegou até descobrir minha sala; me esperava todo dia pra me ver, até conversarmos a primeira vez, e depois todos os dias, e depois todos os dias depois das aulas, enquanto esperávamos na pracinha nossos transportes escolares que nos levariam pra casa, cada um pro seu interior, e pro nosso interior, pro pensamento que era do outro mesmo quando estávamos longe.
 
E foi assim todo o resto do ano, vontade de estar perto, flertes, carinhos, conversas bobas intermináveis, brincadeiras, pequenos esbarrões, muita imaginação, muito sonhos coloridos de meninas de quinze anos de antigamente. Tudo tão delicado e bonito, que se fosse hoje, não seria assim.
 
E nenhum beijo, e nenhum abraço. Não por falta de vontade; mas faltou algo que eu até hoje não sei e nunca quis saber. Talvez se tivéssemos namorado, tudo tivesse acabado logo. Não sei. Mas sei que nunca acabou, porque nunca foi possível. Foi só o começo e não teve fim.
 
Meu primeiro amor é bonito até hoje, me emociona até hoje, está na minha memória até hoje e estará sempre no meu coração. Eu fui feliz só por amar e ser amada, e saber disso. E isso não depende de qualquer outra coisa pra acontecer, a gente sabe quando é real, quando é  amor, mesmo que seja apenas um sentimento puro e simples.
 

terça-feira, 4 de junho de 2013

letrar

A palavra nunca é impessoal, distante, independente. Elas acontecem em nós em seus efeitos, como uma continuidade de nós que se dedicam a existir para os nossos olhos. A literatura guarda nossos sonhos, explica nosso espírito, salva nossas memórias. As palavras ganham seus contornos pelo olhar de quem as reconhece. Devemos ter intimidades com as letras.

Guilherme Antunes